não é muito
eu suponho como outros que
vim pelo fogo e pela espada,
pelo amor frustrado,
pela cara no muro, bêbado no mar,
e eu escutei a música simples da água corrente
na banheira
e quis me afogar
mas não podia de jeito nenhum suportar
que outros carregassem meu corpo três andares abaixo
por entre as boquetas curiosas dessas biscates;
a psyche foi queimada
e nos deixou insensatos,
o mundo tem sido mais escuro que as luzes apagadas
num armário cheio de morcegos famintos,
e o uísque e o vinho penetraram nossas veias
quando o sangue era fraco demais para fluir;
e acontecerá com outros,
nossos momentos felizes serão poucos
porque temos um senso crítico
e quase nunca nos deixamos enganar pelo riso;
insetos montam no pára-brisa
mas conseguimos ver além
uma paisagem desolada
e que aproveitem seu momento;
só pedimos que leopardos guardassem
nossos sonhos esquálidos.
certa vez estava eu lá deitado num
hospital branco
para os moribundos e o moribundo
eu, onde algum deus mijou uma chuva de
razão para fazer as coisas crescerem
só para morrerem, onde de joelhos
orei por LUZ,
orei por l*u*z,
e orando
rastejei como um verme cego na
teia
onde fios de vento colaram atrás da minha mente
e então morri de pena
do Homem, de mim mesmo,
e uma cruz sem pregos,
vendo cheio de medo como
o porco se esbalda em seu chiqueiro, peida,
pisca, e come.
*
it is not much
I suppose like others
I have come through fire and sword,
love gone wrong,
head-on crashes, drunk at sea,
and I have listened to the simple sound of water running
in tubs
and wished to drown
but simply couldn't bear the others
carrying my body down three flights of stairs
to the round mouths of curious biddies;
the psyche has been burned
and left us senseless,
the world has been darker than lights out
in a closet full of hungry bats,
and the whiskey and wine entered our veins
when blood was too weak to carry on;
and it will happen to others,
and our few good times will be rare
because we have a critical sense
and are not easy to fool with laughter;
small gnats crawl our screen
but we see through
to a wasted landscape
and let them have their moment;
we only asked for leopards to guard
our thinning dreams.
I once lay in a
white hospital
for the dying and the dying
self, where some god pissed a rain of
reason to make things grow
only to die, where on my knees
I prayed for LIGHT,
I prayed for l*i*g*h*t,
and praying
crawled like a blind slug into the
web
where threads of wind stuck against my mind
and I died of pity
for Man, for myself,
and a cross without nails,
watching in fear as
the pig belches in his sty, farts,
blinks, and eats.
* * * * *
Charles Bukowski nasceu em Andernach, Alemanha, em 1921, e morreu de leucemia em 1994, em Los Angeles. Maldito, poeta das ruas e dos malogros, da melancolia furiosa e contemplativa, escreveu como nenhum outro a frustração e a angústia daquele geração perdida dos poemas de Ginsberg, I saw the best minds of my generation. Seus versos dilacerados, abruptos, são como navalhas enferrujadas e imundas que entrecortam olhos e garganta. Seus poemas são como as baratas sem as quais a cidade em que vivemos sequer existiria. Bukowski encarna o lado imundo, negligenciado e indigente, do homem e da cidade, nossos semelhantes, nossos irmãos.
Sua poesia está reunida em The pleasures of the damned (New York: HarperCollins, 2007); it is not much é do último livro The people look like flowers at last (As pessoas se parecem finalmente com flores), de 2007.
O escritor é publicado no Brasil pela L&PM.
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