quarta-feira, 20 de outubro de 2010

449

Leituras de Dante, Catulo & autores mais têm me ocupado. Tenho no entanto preparado textos para o blog - sobre Bandeira, com tradução para o inglês de Os sinos e talvez O martelo; discussòes sobre métrica latina e poética segundo os alexandrinos; e quiçá rascunhos de versões de Horácio para o português. Trabalho atualmente na Ode II, 20; em Vogelschau, de Stefan George; e vez ou outra, alguns versos esparsos de Alexander Pope.
Eis que adianto este blog para assunto específico, a poesia. Pouco me importa escrever sobre a viagem, de fato; porventura tecerei comentários sobre museus que visitei;interessa-me falar da Itália Pouco me importa a vida: dela não falo: falo de livros, pafúncia editorial. E de delícias mundanas, intempéries e resmungos. Início e fim, o verso; uersus, volta; além dele, adorno.

Fujo, pois, como os travessões de Emily Dickinson (1830-1886), com transcriação de seu poema 449, insurgente de carta enviada ao Guilherme, vulgo Grouxo com xis. Mudanças várias podem estranhar - estabelecer os verbos do passado no presente - entortar outros vocábulos - Verdade pelo Vero, no masculino - Tumba por Sepulcro, e Quarto por Alcova: excusa etimológica condizente com o poema - supressão de pronomes para agilizar o ritmo - pois mesmo, o ritmo iâmbico em tetrâmetros e trímetros - o tom fúnebre - elipses idiossincráticas da poetisa - sem no necessariamente quedar em obscuridade - estes, pulsam ainda em nossa última flor do Lácio (conforme versa o douto vesgo).
A numeração é baseada na edição de 1890 (T. W. Higginson); minha de 1960, ed. Thomas H. Johnson, New York: Little Brown & Company, título The complete poems of Emily Dickinson. Há melhor: para estudos, a edição canônica foi publicada em 1998 pela Universidade de Harvard via Bellknap Press, ed. R. W. Franklin, variorum em três vols.
Ei-lo - então -

Daguerreotipo tirado c. 1848, hoje no arquivo da Universidade de Yale

449

I died for Beauty - but was scarce
Adjusted in the Tomb -
When One who died for Truth, was lain
In an adjoining Room -

He questioned softly "Why I failed?"
"For Beauty", I replied -
"And I - for Truth - Themself are One -"
We Brethren, are", He said -

And so, as Kinsmen, met a Night -
We talked between the Rooms -
Until the Moss had reached our lips -
And covered up - our names -

449

Eu morro pelo Belo - mal
Cabível no Sepulcro
Em que Um morreu por Vero quando
Colhido em outra Alcova -

Pergunta suave "Que falhei?"
"Por Belo", repliquei -
"Pois eu - por Vero - Duplo em Um -
Irmãos, nos somos" , Disse -

Parentes, pois, se encontra a Noite -
Entre as Alcovas fomos -
A Relva até alçar-nos lábios -
cobrindo - nossos nomes -

Sê breve -

quinta-feira, 15 de julho de 2010

An unfortunate death

No último dia 12 de Julho faleceu um dos maiores escritores norte-americanos do pós-Guerra: Harvey Pekar foi encontrado morto em sua casa, em Cleveland Heights, estatelado no chão. Setenta anos. Embora Pekar não seja tão conhecido como Crumb, foi igualmente importante para os quadrinhos underground e a contra-cultura naqueles tempos de paz & amor. Sua magnum opus, publicado desde os anos 70 até sua morte, foi a série American Splendor, mistura de resmungos, observações ao acaso e drama auto-biográfico; nela contribuíram diversos artistas, entre eles o próprio Crumb (suas histórias com Pekar reunidas em Bob & Harv, lançado no Brasil pela Conrad), Spain Rodriguez, Joe Sacco, Jim Woodring, Gilberto Hernandez e Alan Moore, numa das poucas vezes que o este atuou como ilustrador. Pekar pode ser visto como o grande contista dos quadrinhos, uma espécie de Tchekov mais sujo e desbocado. Pouco conhecida fora dos EUA - que eu saiba, American Splendor foi traduzido apenas para o espanhol e o francês -, a série rendeu filme com Paul Giamatti (Anti-Herói Americano, no Brasil) e sua influência no país de origem é enorme: Pekar era um dos 'papas' indiscutíveis dos quadrinhos, ídolo da geração indie nos anos 80, e uma autoridade. Seu último trabalho notável foi o primeiro volume de The Best American Comics, publicado em 2006 pela Houghton Miffin Harcourt.

Meu contato com American Splendor foi tardio. Descobri-o, como muitos, via parceria com Crumb. Confesso que Pekar dificilmente agrada à primeira leitura. Há uma boa dose de self-loathing em seus enredos; alguns dão no saco, como as vitimadas entrevistas com David Letterman e seus balões intermináveis. Entretanto, agudeza e secura, um fino senso de humor e sinceridade despretensiosa fizeram do autor um dos mais argutos críticos da sociedade americana nos últimos quarenta anos. Há calor humano naquelas histórias, e a franqueza do cidadão comum chutado pra longe do sonho americano, do miserável de espírito que regozija ao conseguir desentupir a privada, que chora ao assistir um romance pastel em preto-e-branco na televisão velha.

O grosso de American Splendor está reunido em três edições pelas editoras Running Press & Ballantine Books: American Splendor, The Life and Times of Harvey Pekar (2003, republicação das duas primeiras antologias, American Splendor e More American Splendor); The New American Splendor Anthology (1993) e Best of American Splendor (2005). Outros volumes - Another Dollar, e histórias paralelas à série principal (Our Cancer Year, Our Movie Year, The Quitter, etc.) - podem ser adquiridos individualmente; acredito que serão republicados futuramente num único livro.
O poeta norte-americano Robert Lowell, numa entrevista ao The Paris Review, disse que a mais difícil missiva da arte é expressar (e expressar-se com) sinceridade, despojado de todo artificialismo retórico: Pekar conseguiu como poucos; e, como Crumb, não estava aqui pra ser educado.

domingo, 13 de junho de 2010

O Cacto

Fato: havia prometido escrever sobre Liverpool ao entardecer. Interpretação: pernoitei, a tarde escapuliu-me, e acordo cedo. Contrafato: aí vai um poema de Bandeira traduzido pro inglês, projeto ao qual me lancei há tais semanas, continuado a doses versiculares, no princípio do otium cum dignitate.

Jean Baptiste-Carpeaux, Ugolino et ses fils, 1863 [Metropolitan Museum of Art, NY]

The cactus

That cactus reminded frantic gestures of the statuary:
Lacoön abashed by the serpents.
Ugolino and his famished children.
And evoked the dry Northeast, pricksters, marblewood...
Its enormity humbled even this soil leant by extraordinary ferocities.

Then once a furious gust hammers up its roots.
The cactus tumbles across the street,
Shatters the eaves of the nearby manors,
Blocks the transit of cars, trams, coaches,
Bursts electric cables and for twenty four hours cuts light and energy off the city:

- It was beautiful, rough, intractable.

Ut natura poesis. Versos de glabra compaginados com o talhe: uma 'inclinação para a deformação expressionista', segundo Davi Arriguci, Jr. em Humildade, Paixão e Morte (Companhia das Letras, 2000). Criação de uma imaginação táctil. Busquei verter esse movimento corpóreo-escultural do cacto/estátua principalmente nos verbos e da recorrência de vogais abertas que, como no poema original, 'secam' a boca. Diferente do passado perfeito usado por Bandeira na segunda estrofe em contraste ao imperfeito e particípios dos versos iniciais; optei por dinamizar a narrativa através do presente simples: aqui, o tempo verbal em si é o de menos, que importa é reintroduzir a moção do cacto oposta a sua prima inércia; devolvendo-o àquilo que ele é, parte da natureza, não-estátua embora se assemelhe a um objeto moldado pelo homem. Atento para 'caatinga' em 'marblewood', i.e. 'floresta marmórea' - o topônimo português vem do tupi (kaa)-(tinga), diz 'floresta branca'. 'Prickster' e 'saguaro' foram as opções que tive pra 'inglesar' a carnaúba; preferi o primeiro, conspícuo à 'prickly pear', reverberando os tons cristãos da poesia bandeiriana.
Muito pensei em adaptar 'Northeast' pra 'West'; à mente dos norte-americanos e ingleses, a 'terra de ferocidades excepcionais' concentra-se no Oeste. No entanto, 'Northeast' admite valor religioso: os desertos ao Nordeste do Egito, por onde Moisés atravessou os Israelitas até aportar em Canãa. Aqui uma segunda tradução, mais 'secular':

The cactus

That cactus reminded frantic gestures of the statuary:
Lacoön abashed by the serpents.
Ugolino and his famished children.
And evoked the dry West, saguaros, marblewood...
Its enormity humbled even this soil leant by extraordinary ferocities.

Then once a furious gust hammers up its roots.
The cactus tumbles across the street,
Shatters the eaves of the nearby manors,
Blocks the transit of cars, trams, coaches,
Bursts electric cables and for twenty four hours cuts light and energy off the city:

- It was beautiful, rough, intractable.

Fica pros doutos julgarem.

Volto ao entardecer pra possivelmente escrever sobre Liverpool.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Exegese da Latrina

Decidir um título pra esse blog foi árdua contenda. O pouco sugestivo Tavistock/Tavistuck me deixou insatisfeito; serviu para a função original, vender minhas tralhas; ao passo que agora almejava um nome ao mesmo tempo playful, comical and suggestive. Em um único termo, witful, numa mistura de Pope com Groucho Marx. Lá fui vasculhar minha alquebrada memória e rever os livros, no resgate de algum verso suficientemente espirituoso, o qual transformado poderia se adequar à despensa literária que será esse espaço; de fato, poderiam me criticar que tal missiva é artificial e o título de uma obra deveria brotar naturalmente do assunto tratado. Concordo, mas o verso buscado era antes alvíssara que ressalva. Após longos anos de leitura, nossa dicção acaba se 'conformando' em poesia, prosa e, também no meu caso, quadrinhos - porquanto não me é raro ver uma andorinha e citar versos de Swinburne ('Swallow, my sister, O sister swallow!' em Itylus); ou ter o primeiro contato com o neve via Robert Frost; ou, ao ver esses rios imundos da Inglaterra, lembrar do início de The Fire Sermon. But quit the wits, mac! Ye got y'own problems, meknows. Em resumo, nossa 'sensibilidade' é moldada segundo nossa leitura, que acaba condicionada a e também condicionando nossa experiência de vida em sentido mais amplo.
And you could call me a damn imitator. Bem, aqueles que almejam o ofício de escritor somos todos imitadores, em maior ou menor grau. Questão é adaptar, torcer, transformar. Ao ler, nossa vida acaba se confundindo com o texto, e nossa dicção, nossos ouvidos são modificados: refinados. Não dizem que 'escrever se aprende lendo'? Pois bem. O contrário é igualmente verdadeiro.

Primeira coisa que me veio em mente foi o sprung rhythm ('ritmo saltado') de Gerard Manley Hopkins, fragmentário e intempestivo. Relendo um de seus 'sonetos terríveis', 'No worst, there is none', composto em 1880,

No worst, there is none. Pitched past pitch of grief,
More pangs will, schooled at forepangs, wilder wring.
Comforter, where, where is your comforting?
Mary, mother of us, where is your relief?
My cries heave, herds-long; huddle in a main, a chief
Woe, world-sorrow; on an age-old anvil wince and sing—
Then lull, then leave off. Fury had shrieked ‘No ling-
ering! Let me be fell: force I must be brief’.

O the mind, mind has mountains; cliffs of fall
Frightful, sheer, no-man-fathomed. Hold them cheap
May who ne’er hung there. Nor does long our small
Durance deal with that steep or deep. Here! creep,
Wretch, under a comfort serves in a whirlwind: all
Life death does end and each day dies with sleep.


O 'peso' da bigorna me cai como a pedra sobre a qual Simão fundou a Igreja; mais que a Instituição, a Idéia: os ouvidos de Cristo talhados pelas lamúrias, 'gemem e cantam / Pois calam, e cessam'; a confissão antes da morte. A bigorna, todavia, é um objeto moldado pelo homem, há muito, e originalmente não existia na natureza. Estaria o poeta questionando se 'God and all angels therefrom' são invenções humanas? A luta entre profunda religiosidade contrastado com a dúvida acerca da intervenção divina emerge na própria estrutura deste e outros poemas de Hopkins, tanto na construção imagética quanto no ritmo. Uma outra interpretação, mais 'secular', também seria possível.
'Na idade da bigorna', baseado na 'velha bigorna', seria sugestivo como contraste desse tempo cético e demasiadamente vago em que vivemos - no que diz à ausência de cautela com a linguagem, à obliteração de conceitos, à volubilidade emocional, à simples falta de dignidade humana nessa distopia Dickiana (a Inglaterra); tempo que em contrapartida é mascarado pelo peso de outra 'bigorna', a ideologia chauvinista do Vitorianismo, que em muitos sentidos persiste hoje na Inglaterra. A época em que Hopkins viveu realmente foi esta 'velha bigorna'; o verso do século XIX, em contrapartida, era demasiadamente melífluo, filho do Romantismo sentimentalóide, e muito da poesia de Hopkins é uma reação ao 'feeble verse' dos cartolados oitocentistas. A 'bigorna' novamente salienta a força muscular buscada na poesia, no sprung rhythm disparando stresses cá e lá. Inscape do objeto; instress ao penetrá-lo em todo esplendor da essência; e a bigorna no que Mário Faustino disse do poeta estar 'contaminado, ao mesmo tempo, pelo espírito cientificista do século XIX e pelo misticismo católico' (citado de 'Alquimia Verbal', em Artesanatos de Poesia, Companhia das Letras, 2004). Hopkins criou e desenvolveu um método que, numa determinada maneira, busco aqui: 'glittering details' - do qual fala Terry Eagleton ao comparar a poesia de Hopkins à 'poetry of the whole', a vista aérea de Yeats - que se sustentam num edifício linguístico conciso e musculoso. Um corpo sonoro forte, um edifício linguístico resistente, grandiosidade que não deixa de nos surpreender com seus pormenores estranhos. Tanto em estrutura e crítica: também busco este método dos 'detalhes luminosos' na escrita. É uma maneira de compôr com a agilidade da máquina, adequado à época, e ao mesmo tempo fortalecer a poesia sem cair na retórica do neoclássico. A poesia de Hopkins é forte, e é fluída, como uma rocha que aos poucos vai sedimentando; ou como a correnteza de magma vomitada por um vulcão. No post anterior havia dito que sempre busquei dissonância na arte; não sei se é o melhor termo. Minha apreciação da poesia de Hopkins, e também das pára-rimas do velho Yeats, poderia ser reduzida à essa categoria: a do sublime, no sentido oitocentista do conceito. Expandir e retrair, mas sempre tendendo a algo maior, colossal, gigantesco. O belo entendia.
Nascido em 1844, cresceu entre o 'estetismo' e o 'ascetismo' (como coloca Alípio Correia de Franca Neto), entre o impulso do verso e o zelo cristão. Morreu de Tifo, em 1889, quando professor de literatura clássica na Universidade Católica em Dublin - alguns estudiosos especulam que James Joyce, estudante no mesmo colégio alguns anos após a morte de Hopkins, foi influenciado pelo 'espírito' do poeta (de fato, há referências explícitas no Finnegans wake). Foi enterrado em Glasnevin Cemetery, na Dublin setentrional, numa cova coletiva da Companhia de Jesus.
Hopkins foi uma figura anômala até mesmo na poesia inglesa. Primeiro num sentido artístico: embora trabalhe dentro de tradições conhecidas (influências de Milton, Herbert, Keats e Tennyson são perceptíveis), seu desenvolvimento poético é totalmente desigual a seus contemporâneos dominado pela visão pré-Rafaelita e os poemas do jovem Swinburne; e o poeta resgata a 'verdadeira tradição' da prosódia Anglo-Saxã, que mais tarde influenciaria também William Morris e Yeats. Um poeta que poderia ser avaliado o lado de Hopkins, quanto ao arcabouço imagético; George Meredith, cujos sonetos sombrios de Modern Love compartilham a angústia entre carne e espírito.
Segundo, em questão prática: apenas alguns poemas e nenhum escrito crítico foram publicados em vida: os primeiros volumes saíram em 1918, editados por Robert Bridges, amigo de infância do poeta e então poet laureate. A acepção por parte do establishment não foi tão boa: Bridges não compreendeu bulhufas do que Hopkins tentou, argumentando que sua técnica elíptica era um 'defeito de estilo'; Eliot dizia que a manipulação rítmica lhe parecia 'puramente verbal', reduzindo Hopkins a um Swinburne amalucado; e não me lembro o que disse Yeats, cuja opinião seria mais interessante no sentido em que o poeta de Sligo construiu sua obra entre o decadentismo e o modernismo, mas sei bem que ele não gostou. Sucesso popular, todavia: nesse sentido, Hopkins é uma figura semelhante à Emily Dickinson, cujo verso foi publicado primeiramente na década de 1890. De lá, ambos os poetas foram canonizados pela crítica, academia, e poesia: Hopkins é o grande 'mestre' do maior poeta irlandês desde Yeats, Seamus Heaney, e o ritmo do jovem Heaney tem muito do jesuíta: assim como o ritmo do velho Heaney tem um pouco de Yeats. Oscilação mística.
A melhor edição de Hopkins ainda é a da Oxford, The Poems of Gerard Manley Hopkins, editada por W. H. Gardner em 1948; da quarta edição em diante com N. H. Mackenzie. Além de breve estudo de versificação e impressão das próprias notações de Hopkins sobre estrutura rítmica (fulcral para analisar seu verso), trata-se da coleção mais substancial de seus poemas. Como o livro não foi republicado desde os anos 80, só há cópias usadas; mas vira e mexe encontramos no eBay e nos sebos aqui da Inglaterra. Dá pra se virar com a edição da Penguin, Selected Poetry and Prose, também editada por W. H. Gardner - essa dá pra comprar nova via Amazon. Disponível no mercado hoje, The Major Works pela Oxford World Classics e editada por Catherine Phillips, é a melhor edição: além de poemas, há boa parte da prosa e algumas cartas.

Não, nada pior. Quem no Brasil tem contato com a poesia de Hopkins? De certo o vitoriano foi, e ainda é, grande influência, entretanto a presença continua indireta, através dos irmãos Campos, do Faustino, Paes; e hoje na poesia do Vizioli, Britto. As traduções de Hopkins pro português são fracas. Alípio Correia de Franca Neto tem alguns (dos quais não sei se foram publicados em livro; podem ser encontrados numa edição da Revista do Instituto Humanitas Unisinos); as melhores ainda são as do Augusto (em Hopkins: A beleza do difícil, Perspectiva, 1997; e Hopkins: Cristal terrível, Noa Noa, 1991; ocorre-me que os irmãos Campos também eram péssimos para títulos); e a mais famosa, pela Aíla de Oliveira Gomes (Poemas, da coleção de poetas estrangeiros pela Companhia das Letras, 1989), é bastante pobre e perde muito da musicalidade; a edição é meritória, com bom ensaio introdutório.
Nascido em 1844, cresceu entre o 'estetismo' e o 'ascetismo' (como coloca Alípio Correia de Franca Neto), entre o impulso do verso e o zelo cristão. Morreu de Tifo, em 1889, quando professor de literatura clássica na Universidade Católica em Dublin - alguns estudiosos especulam que James Joyce, estudante no mesmo colégio alguns anos após a morte de Hopkins, foi influenciado pelo 'espírito' do poeta (de fato, há referências explícitas no Finnegans wake). Foi enterrado em Glasnevin Cemetery, na
Hopkins foi uma figura anômala até mesmo na poesia inglesa.
O quarto de Hopkins ainda está na Universidade Católica, e pode ser visitado durante uns meses pra visita - porém, conversando com o secretário da escola quando estive na cidade, o mesmo me confessou que somente o 'espaço' foi de Hopkins: móveis e etc. foram todos readquiridos pra dar impressão da 'época'. Essa safadeza existe em todo Reino Unido, também na casa onde nasceu Shakespeare. Nothing real.

I am not changing the subject: I am coming back to it.
O nome se sustentaria, mas não é sugestivo o suficiente. Pensei em Milton: todo aquele elipsismo sedutor, do inglês vertido na gramática latina, da sintaxe torta formando um concerto. Versos como 'Where I fly is hell; myself am hell' e '... the dark intent I bring', nos respectivos cantos IV e IX de Paradise Lost, seriam interessantes. Too damn pretentious. Milton, this bloody wind-bag, has been the greatest ear English poesy has met; he, and Hopkins, Tennyson, and Yeats. No other. Aí pensei na peça The Cocktail Party, de Eliot, que é o mais próximo que o autor chegou à 'comédia de câmara'. Pensei em 'macaco cristão', nome inspirado no desfecho da peça, quando Alex narra sua jornada à África:

EDWARD. And the agitators;
How do they agitate?
ALEX. By convincing the heathen
That the slaughter of monkeys has put a curse on them
Which can only be removed by slaughtering the Christians.
They have even been persuading some of the converts-
Who, after all, prefer not to be slaughtered-
To relapse into heathendom. So, instead of eating monkeys
They are eating Chistians.
JULIA. Who have eaten monkeys.
ALEX. The native is not, I fear, very logical.

H. Rigger Haggard gone awry. Impossível ler esta passagem e não imaginar que Alex encontrou o Capt. Spaulding na África. Há várias referências aos irmãos Marx nessa peça que podem escapar à primeira leitura, notadamente aos filmes Animal Crackers, Monkey Business e A night at the opera. 'Macaco Cristão': toda a blasfêmia que fluirá daqui, ao passo que sugestivo, e cômico.

Certo. Animais? Elementos essenciais da natureza. Not much besides water, air, earth, fire. The death of air is the death of water and fire. Daí pros gambás do Cal Lowell? As raposas de Hughes?
Não, não funciona. Demais obscuro, ou demasiadamente 'cult' no estilo dessas camisetas 'we will take over' estampada com um chimpanzé de capacete, segurando uma banana em forma de pistola. Volto a Milton. Busco em Crumb: talvez o Mr. Natural! THERE'S NO END TO THE NONSENSE! Que acabou se tornando o subtítulo dessa joça. And indeed there is no end to the nonsense.

Eis que esses dias estava lendo Wilhelm Teuffel, autor de 'História da Literatura Romana', e entremeando a ânsia classificatória do século XIX: Idade de Ouro e Idade de Prata do Latim, a primeira da morte de Sula até o início do Império; a segunda da morte de Otávio até a morte de Tibério (ou, segundo Cruttwell, até a morte de Marco Aurélio). Crucificado por pretores romanos. Ao ler sobre literatura clássica, alguma coisa de latim e grego acaba afundando na memória, mesmo que seja algo suspeito como a 'cagata carta' do Catulo. Afirmei acima que este blog será uma 'despensa literária', e de fato pretendo futuramente discutir alguns desses autores; tenho especial afeição pelo estilo seco e erudito de Horácio, pelas bizarrices de Virgílio, ou simplesmente pela franqueza de Catulo. Este espaço, portanto, será destinado tanto à uma 'crítica da vida', o despejo, quando à considerações mais sobre a língua e literatura, especialmente o latim, no caso de estudar esta língua com maior profundidade em 2011. A name which should be suggestive, comical, and playful. Que atingisse com naturalidade. Daí o estalo na mente; the witticism. Nada de prisca latina, nem vetus latina (nome que havia me aparecido antes, em referência blasfema à tradução em latim da Bíblia), nem sermo nobilis, sermo urbanus. Como isto nunca foi pensado antes? Afinal, foi desta maneira que degolaram o Cícero, quando o mesmo esticou o cansado pescoço pra fora da carroça de lixo, e disse:

'Soldado, o que você faz não é apropriado, mas tente me matar apropriadamente.'

E isso vale pra arte da escrita: not quite proper, but we do try to write properly.
Esse assunto vai interessar poucos, e muitos pensarão: 'so what?' A exegese do nome serviu pra discutir Hopkins, avaliar o poeta em relação a alguns contemporâneos, comentar sua obra e as traduções pro português, falar doutras tantas coisas, e principalmente tecer algumas considerações sobre o processo criativo.

O the mind, mind has mountains; cliffs of fall,
frightful, sheer...


Bem-vindos à Vulgata Latrina. Operor non alieno vestri spongia.

Volto ao entardecer pra escrever sobre Liverpool.