quinta-feira, 15 de julho de 2010

An unfortunate death

No último dia 12 de Julho faleceu um dos maiores escritores norte-americanos do pós-Guerra: Harvey Pekar foi encontrado morto em sua casa, em Cleveland Heights, estatelado no chão. Setenta anos. Embora Pekar não seja tão conhecido como Crumb, foi igualmente importante para os quadrinhos underground e a contra-cultura naqueles tempos de paz & amor. Sua magnum opus, publicado desde os anos 70 até sua morte, foi a série American Splendor, mistura de resmungos, observações ao acaso e drama auto-biográfico; nela contribuíram diversos artistas, entre eles o próprio Crumb (suas histórias com Pekar reunidas em Bob & Harv, lançado no Brasil pela Conrad), Spain Rodriguez, Joe Sacco, Jim Woodring, Gilberto Hernandez e Alan Moore, numa das poucas vezes que o este atuou como ilustrador. Pekar pode ser visto como o grande contista dos quadrinhos, uma espécie de Tchekov mais sujo e desbocado. Pouco conhecida fora dos EUA - que eu saiba, American Splendor foi traduzido apenas para o espanhol e o francês -, a série rendeu filme com Paul Giamatti (Anti-Herói Americano, no Brasil) e sua influência no país de origem é enorme: Pekar era um dos 'papas' indiscutíveis dos quadrinhos, ídolo da geração indie nos anos 80, e uma autoridade. Seu último trabalho notável foi o primeiro volume de The Best American Comics, publicado em 2006 pela Houghton Miffin Harcourt.

Meu contato com American Splendor foi tardio. Descobri-o, como muitos, via parceria com Crumb. Confesso que Pekar dificilmente agrada à primeira leitura. Há uma boa dose de self-loathing em seus enredos; alguns dão no saco, como as vitimadas entrevistas com David Letterman e seus balões intermináveis. Entretanto, agudeza e secura, um fino senso de humor e sinceridade despretensiosa fizeram do autor um dos mais argutos críticos da sociedade americana nos últimos quarenta anos. Há calor humano naquelas histórias, e a franqueza do cidadão comum chutado pra longe do sonho americano, do miserável de espírito que regozija ao conseguir desentupir a privada, que chora ao assistir um romance pastel em preto-e-branco na televisão velha.

O grosso de American Splendor está reunido em três edições pelas editoras Running Press & Ballantine Books: American Splendor, The Life and Times of Harvey Pekar (2003, republicação das duas primeiras antologias, American Splendor e More American Splendor); The New American Splendor Anthology (1993) e Best of American Splendor (2005). Outros volumes - Another Dollar, e histórias paralelas à série principal (Our Cancer Year, Our Movie Year, The Quitter, etc.) - podem ser adquiridos individualmente; acredito que serão republicados futuramente num único livro.
O poeta norte-americano Robert Lowell, numa entrevista ao The Paris Review, disse que a mais difícil missiva da arte é expressar (e expressar-se com) sinceridade, despojado de todo artificialismo retórico: Pekar conseguiu como poucos; e, como Crumb, não estava aqui pra ser educado.