sábado, 24 de setembro de 2011

a.d.VIII Kal. Oct.

§1.EPIGRAMA V.LVIII.

"Amanhã hei de viver", sempre amanhã, Póstumo, dizes.
me diz, esse amanhã, vai chegar quando?
vai demorar? onde está? e de onde vem?
por acaso escondido sob Partos, Armênios?
esse amanhã já conta os anos de Príamo e Nestor.
esse amanhã, me diz, sai por quanto no varejo?
viverás amanhã: viver o hoje, Póstumo, já é tarde.
sabe-o quem quer que já viveu o ontem.

*

cras te victurum, cras dicis, Postume, semper.
dic mihi, cras istud, Postume, quando venit?
quam longe est cras istud? ubi est? aut unde petendum?
numquid apud Parthos Armeniosque latet?
iam cras istud habet Priami vel Nestoris annos.
cras istud quanti, dic mihi, possit emi?
cras vives: hodie iam vivere, Postume, serum est.
ille sapit, quisquis, Postume, vixit heri.

* * * * *

§2.
O MASSACRE DOS INOCENTES.

I
[HERODES]

Porque estou confuso, porque devo saber, porque minha decisão deve se conformar à Natureza e ao Necessário, para que eu honre aqueles que fizeram de mim o que por natureza sou.
A Fortuna - já que me tornei Tetrarca, que escapei de ser assassinado, que mesmo aos sessenta tenho cabeça boa e boa digestão.
A meu pai - agradeço-lhe o amor pelas viagens e pelo estudo.
A minha mãe - por um nariz romano.
A Eva, minha mãezinha de cor - pelos hábitos do dia-a-dia.
A meu irmão, Arenário, que se casou com uma trapezist
a e morreu da bebida - assim refutando a posição dos Hedonistas.
Ao Sr. Camacho, vulgo A Carpa, que me instruiu nos elementos da geometria através dos quais pude reconhecer os erros dos poetas trágicos.
Ao Professor Farol - por suas aulas sobre
A Guerra do Peloponeso.
Ao estranho no barco à Sicília - por me recomendar Fulvo sobre a Resolução.
E a minha secretária, Srta. Bula - por sua sinceridade em admitir que meus discursos eram inaudíveis.

Não há desordem aparente. Nenhum crime - nasce o filho de um artesão, o que poderia ser mais inocente que isso? Hoje tivemos um daqueles dias perfeitos de inverno: frio, luminoso, recôndito e calado, no que latido do cão pastoril ecoa por quilômetros, e os montes íngremes e silvestres tombam aos muros da urbe, o espírito agita-se em furor, e neste fim de tarde, enquanto me apóio na janela no topo da cidadela, não há nada, ao que espalha todo o panorama de montes e planícies, a indicar que o Império esteja ameaçado por um perigo mais temível que uma invasão de Tártaros sobre velozes camelos ou um
a conspiração da Guarda Pretoriana.
Barcaças descarregam fertilizante nos cais rio adentro. Drinques e sanduíches podem ser comprados a preços módicos nas estalagens. A jardinagem está na moda. A estrada pela encosta escala até a montanha, e os charreteiros não mais carregam armas. As coisas começam a tomar jeito. Faz um tempo desde que alguém roubou os bancos da praça ou imolou os cisnes. Nesta província há garotos que nunca viram piolhos, lojistas que nunca seguraram uma moeda falsa, quarentonas que nunca se meteram numa pocilga a não ser por diversão. Sim, em vinte anos fiz alguma coisa. Claro, não é o bastante. Há vilas nas redondezas, bem perto daqui, onde ainda acreditam em bruxas. Não há uma única cidade onde uma boa livraria conseguiria se sustentar. Pode-se contar nos dedos de uma mão quantas pessoas são capazes de resolver o enigma de Aquiles e a Tartaruga. Ainda assim, é um começo. Em vinte anos a escuridão foi empurrada alguns metros. E, afinal, esse Império todo fixado em alguns milhares de metros quadrados, onde é possível conduzir a vida segundo a Razão, o que ele é senão um minúsculo remendo de luz comparado com aquelas áreas imensas de noite bárbara, que o cercam por todos os lados, aquela selvageria de fúria
e terror, onde esses Mongóis idiotas são tidos como sagrados e mães parindo gêmeos são instantaneamente sentenciadas à morte, onde a malária é tratada na base do grito, onde guerreiros excepcionalmente corajosos obedecem o comando de usurpadoras histéricas, onde os melhores cortes de carne são dedicados aos mortos, onde, se virem um meiro branco, param todas as atividades do dia, onde acreditam cabalmente que o mundo foi criado por um gigante de três cabeças, ou que o movimento das estrelas é controlado a partir do fígado de um elefante selvagem?
E, mesmo assim, dentro deste remendo de civilização onde, sabe o céu a custo de quantas lágrimas e sangue, qualquer um com mais de doze anos não precisa mais acreditar em fadas ou que Causas Primárias residem em objetos mortais e finitos; mesmo aqui muitos ainda sentem falta daquela desordem, quando toda paixão gozava de êxtase libertino. César foge a seu campo de caça, abatido pelo tédio; na periferia da Capital, a Sociedade cresce freneticamente, corrompida por sedas e perfumes, amolecida pelo açú
car e água quente, insolente por causa dos teatros e escravos atraentes, e por toda parte (esta província inclusa) novos profetas brotam todo dia para declamar o velho canto bárbaro.
Tentei de tudo. Proibi a venda de cristais e tabuleiros ouija; levantei impostos violentos sobre o carteado; as cortes têm o poder de condenar alquimistas ao trabalho ingrato das minas; é crime previsto por lei arranjar briga ou sequer incitá-las. Mas nada teve efeito duradouro. Como posso esperar que as massas mostrem sensibilidade quando, por exemplo, até onde sei, o capitão de minha guarda carrega um amuleto contra o Olho Malvado, e o mercador mais rico da urbe consulta um médium sobre toda e qualquer transação econômica?
As leis são inúteis contra a ardilosa e submissa procissão que entoa dia sim, dia não destes tetos sob minha proteção: "Meu Deus, afastai a justiça e a verdade pois não podemos compreendê-las, não as queremos. A Eternidade nos arrasta, entedia. Deixai Vossos céus e descei a nossa terra de clepsidras e barracos. Tornai-vos nosso tio. Cuidai do Bebê, diverti o Vovô, levai a Madame à Ópera, ajudai Tiaguinho com a lição de casa, apresentai Muriel a um marinheiro bonitão. Sede interessante e fraco como nós, e vos amaremos como amamos a nós mesmos."
A Razão agora é inútil, e mesmo o Compromisso Poético não mais funciona, todos aqueles contos de fadas nos quais Zeus, fantasiando-se de cisne ou boi ou chuva de ouro ou sabe-se-lá-o-quê, deitava-se com uma garota qualquer e paria um herói. O Público tornou-se sofisticado demais; consegue detectar, sob todas essas metáforas charmosas e símbolos, a rígida ordem: "Sê e age heroicamente"; por trás do mito da origem divina, sente a verdadeira excelência humana tentando afastar sua própria mediocridade. Daí, com um grito de raiva, joga a Poesia ladeira abaixo e clama pela Profecia. "Sua irmã acabou de me ofender. Eu pedi por um Deus que fosse o mais parecido possível comigo. Que interesse eu tenho num Deus cuja divindade é fazer coisas difíceis que eu não posso fazer, ou falar coisas inteligentes que eu não consigo entender? O Deus que eu quero e pretendo conseguir deve ser alguém que eu posso reconhecer logo sem ter que esperar sentado ele dizer ou fazer alguma coisa. Não pode ter nada extraordinário nele. Prod
uz ele de uma vez, vai. Cansei de esperar."
Hoje de manhã, a julgar pela aparência dos três que vieram me consultar com um sorriso extático em seus rostos acadêmicos, o trabalho é findo. "Deus nasceu", clamaram, "vimo-lo nós mesmos. O Mundo está salvo. Nada mais importa."
Não precisa de muita psicologia para compreender que este rumor, se não for abafado imediatamente, será capaz de infectar todo o Império em poucos anos, e não é preciso ser profeta para predizer as consequências caso isso aconteça.
A Razão será substituída pela Revelação. No lugar da Lei Racional, isto é, de verdades objetivas, as mesmas para todos, e disponíveis a qualquer um que se submeta à disciplina intelectual necessária; o Conhecimento degenerar-se-á num conjunto de retalhos, visões subjetivas - espasmos no plexo solar induzidos por subnutrição, imagens angelicais geradas por febres e drogas, avisos oníricos inspirados pelo som das cachoeiras. Verdadeiras cosmogonias serão sistematizadas a partir de algum resentim
ento pessoal esquecido, grandes épicos escritos em linguagens particulares, os garranchos de moleques rivalizando as maiores obras-primas.
O Idealismo será substituído pelo Materialismo. A Priapo será suficiente mudar-se para um outro endereço e mudar seu nome para Eros, tornando-se assim o queridinho das cinquentonas. A vida pós-morte será um banquete onde todos os convidados contam vinte anos. Afastada da velha e bastante ordinária válvula de escape do patriotismo e orgulho familiar ou civil, a ânsia das Massas materialistas por algum Ídolo vísivel que possam venerar desembocará em canais totalmente anti-sociais, e educação nenhuma poderá remediá-los. Honras divinas serão oferecidas a bules de prata, buracos vazios na terra, nomes em mapas, bichos de estimação, moinhos em ruínas, e até, em casos extremos que se tornarão cada vez mais comuns, dores de cabeça, ou tumores malignos, ou às quatro da tarde.
A Justiça será substituída pela Piedade como a virtude cardinal humana, e desaparecerá todo temor de castigo. Qualquer marginal vai se vangloriar: "Eu pequei tanto que Deus teve que descer em pessoa pra me salvar aqui em baixo. Devo ser o capeta em pessoa." Qualquer malandro vai argumentar: "Gosto de cometer crimes. Deus gosta de perdoá-los. Que ordem bacana é essa do mundo!
" E a ambição de qualquer jovem soldado será assegurar a penitência em seu leito de morte. A Nova Aristocracia será formada exclusivamente por ermitões, vagabundos e inválidos. O Diamante Bruto, a Puta Ninfomaníaca, o bandido que ama sua mãe, a garota epiléptica que se dá bem com animais, estes serão os heróis e heroínas da Nova Tragédia, agora que o general, o político, e o filósofo se revelam os patetas de qualquer farsa ou sátira.
Naturalmente, não podemos deixar que isso aconteça. A civilização deve ser salva mesmo às custas de chamar os militares, o que é, suponho eu, o caso. Quanta complicação.
Por que é que a civilização sempre acaba por chamar esses dedetizadores profissionais, aos quais não importa se é Pitágoras ou um lunático homicida que foram instruídos a exterminar. Ó vida, Essa criança maldita não podia ter nascido noutro lugar? O povo não pode ter bom senso? Por quê? Não quero ser injusto. Por que não conseguem enxergar que a noção de um Deus finito é absurda? Porque é. E imagine, hipoteticamente, que não seja, que a ladainha é verdade, que essa criança é de alguma maneira inexplicável tanto Deus quanto Homem, que ela cresce, vive, e morre, sem cometer um único pecado? Isso melhoraria algo na vida? Pelo contrário, iria torná-la muito, muito pior. Pois só poderia significar uma coisa: uma vez mostrado como, Deus esperaria que cada homem, não importa sua fortuna, levasse uma vida sem pecados na carne e na terra. Aí que a raça humana mergulharia em loucura e desespero. E eis que me parece que, neste momento, Deus me deu o poder de destruí-Lo. Eu recuso minha inclusão nessa história. Ele não poderia pregar uma piada tão infame e horrível. Por que ele não poderia gostar de mim? Trabalhei duro como um escravo. Pergunte a quem quiser. Leio toda a correspondência oficial, uma por uma. Tomei aulas de retórica. Quase nunca aceitei subornos. Como Ele ousa permitir que eu tome tal decisão? Tentei ser bom. Escovo meus dentes toda noite. Não transo faz um mês. Eu contesto. Sou um liberal. Quero que todos sejam felizes. Quisera eu nunca ter nascido.

II
[SOLDADOS]

Quando a Guerra dos Sexos acabou com a chacina das Vovós,
Encontraram um bebê de solteira sufocando sob as velhas;
Alguém o chamou de Jorge e aí foi o fim da história:
Arrastaram ele pros Milicos.
Jorge, seu velho moleque,
Como foi virar Milico?

No Reduto da Razão desertou no seu cavalinho-de-pau
E viveu com a fadinha, até que se cansou de chutá-la por aí;
Esmagou suas lentes e roubou suas tabuinhas e o poncho,
E voltou correndo pros Milicos.
Jorge, seu velho folgado,
Como foi virar Milico?

Antes da Dieta do Açúcar ele usava navalhas

E logo foi embora, alérgico aos grelinhos;
Descobriu ele mesmo uma cura, mas ninguém queria patentear,
Então ele voltou pros Milicos.
Jorge, seu velho malandro,
Como foi virar Milico?

Quando as Cruzadas dos Vícios acabaram foi convocado por uns Muscovitas
Querendo vender desodorantes pros Esquimós;
Foi tomado por uma baita gripe e condenado às minas de uísque,
Mas deu um jeito de voltar pros Milicos.
Jorge, seu velho Imperador,
Como foi virar Milico?
Desde que assinaram a Paz com a Honra ele fica aí na dele;
Mas, ops, aí vem Sua Preguiça, abotoando o uniforme;
Bem na hora de massacrar os Inocentes;
Voltou pra casa, com seus Milicos.
Jorge, seu velho matador,
Te saúdam os Milicos.

III
[RAQUEL]

Na Esquerda cães sorridentes, perigando o precipício da solitude, fundo demais para se encher de rosas.
Na Direita ovelhas sensíveis, sobreatônitas ao alarde no qual não crescerão so
nhos.
No meio deste despercício esmo de loucura perde-se um garoto, falando de Há Muito Tempo Atrás no idioma das chagas.
Amanhã, talvez, ele encontrará ele no Céu.
Mas cá torna a Tristeza seu silêncio - não nesta direção, tampouco naquela, nem por qualquer motivo.
E sua frieza agora é a terra sempre.


* * * * *

§3.
A.D. VIII KAL. OCT. (ou, o Vinte-e-três de Setembro).

V. Augusto nasceu em 23 de Setembro de 63 a.C., a saber, durante o consulado de Marco Túlio Cícero e Caio Antônio, pouco antes do pôr-do-sol, na rua das Cabeças de Gado no Palatino, onde hoje pode-se ver um oratório fundado após sua morte. Conforme consta nos atos do Senado, quando um jovem de família patrícia chamado Caio Letório, ao clamar ante os senadores leniência frente a uma acusação adultério, apelou não apenas à sua idade e integridade, como também alegou ter posse do próprio solo onde o Divino Augusto veio ao mundo, como se fosse de lá o guardião, e afirmou também que Augusto era de certa maneira seu deus particular e o favorecia; doravante, o Senado votou a sacralização daquela parte da casa. VI. Sua enfermaria está aberta a visitações ainda hoje, nos subúrbios de uma vila onde morava sua família, perto de Velitrae; lugar assaz modesto, quase uma despensa. Se ele nasceu lá, é o que afama nos arredores. Fato é que ninguém ousa entrar no quarto a não ser se impelido pela necessidade e devoção profunda pois, segundo uma velha lenda, quem o fizesse seria consumido por grande horror e medo, e, à época, tal boato logo foi confirmado: certa feita, um novo proprietário resolveu ir lá dormir, seja por mero acaso ou a fim de atestar a veracidade do caso. Eis que, após poucas horas de sono, foi expelido por algum tipo de força súbita e desconhecida, sendo depois encontrado semi-consciente, junto com seu cobertor, à porta da casa. VII. Ainda bebê, foi dado a Augusto o sobrenome de Thurius, em memória do local onde nasceram seus avós, ou ainda porque, recém-nascido o imperador, seu pai Otávio suprimiu uma revolta de escravos na região de Thurii. Posso certificar que seu sobrenome era Thurinus pois, quando garoto, tinha eu uma velha estátuazinha em bronze com este epíteto cravado em letras de ferro quase apagadas pela idade; então dei-a ao imperador, que hoje o guarda zelosamente em seu quarto com os outros Lares¹. Mas geralmente ele era chamado de Thurinus de maneira ofensiva, como podemos ler nas cartas de Marco Antônio; Augusto, por sua vez, nada mais replicava além de não entender porque seu antigo nome era usado tão insistentemente para injuriá-lo. Mais tarde assumiu o nome de Caio César e, após, de Augusto; o primeiro atendendo ao testamento de seu avô, o outro segundo sugestão de Munácio Plâncio. Houve alguns que argumentaram em favor de chamá-lo por Rômulo; de fato, ele era um tipo de segundo fundador de Roma; no entanto, prevaleceu que fosse chamado de Augusto, sobrenome não apenas inédito como mais digno, pois "augustos" são chamados os locais sagrados, nos quais são consacrados os agouros, seja pela palavra auctus [aumento] ou pela expressão auium gestu gustuue [segundo o mover ou comer das aves]², como ensina Ênio neste verso:

quando em agouro augusto foi Roma fundada.

*

V. natus est Augustus M. Tullio Cicerone C. Antonio css. VIII. Kal. Octob. paulo ante solis exortum, regione Palati ad Capita bubula, ubi nunc sacrarium habet, aliquanto post quam excessit constitutum. nam ut senatus actis continetur, cum C. Laetorius, adulescens patricii generis, in deprecanda grauiore adulterii poena praeter aetatem atque natales hoc quoque patribus conscriptis allegaret, esse possessorem ac uelut aedituum soli, quod primum Diuus Augustus nascens attigisset, peteretque donari quasi proprio suo ac peculiari deo, decretum est ut ea pars domus consecraretur. VI. nutrimentorum eius ostenditur adhuc locus in auito suburbano iuxta Velitras permodicus et cellae penuariae instar, tenetque uinicitatem opinio tamquam et natus ibi sit. huc introire nisi necessario et caste religio est, concepta opinione ueteri, quasi temere adeuntibus horror quidam et metus obiciatur, sed et mox confirmata. nam cum possessor uillae nouus seu forte seu temptandi causa cubitum se eo contulisset, euenit ut post paucissimas noctis horas exturbatus inde subita ui et incerta paene semianimis cum strato simul ante fores inueniretur. VII. Infanti cognomen Thurino inditum est, in memoriam maiorum originis, uel quod regione Thurina recens eo nato pater Octauius aduersus fugitiuos rem prospere gesserat. Thurinum cognominatum satis certa probatione tradiderim nactus puerilem imagunculam eius aeream ueterem ferreis et paene iam exolescentibus litteris hoc nomine inscriptam, quae dono a me principi data inter cubiculi Lares colitur. sed et a M. Antonio in epistulis per contumeliam saepe Thurinus appellatur et ipse nihil amplius quam mirari se rescribit pro obprobrio sibi prius nomen obici. postea Gai Caesaris et deinde Augusti cognomen assumpsit, alterum testamento maioris auunculi, alterum Munati Planci sententia, cum quibusdam censentibus Romulum appellari oportere quasi et ipsum conditorem urbis, praeualuisset, ut Augustus potius uocaretur, non tantum nouo sed etiam ampliore cognomine, quod loca quoque religiosa et in quibus augurato quid consecratur augusta dicantur, ab auctu uel ab auium gestu gustuue, sicut etiam Ennius docet scribens:

AVGVSTO AVGVRIO POSTQVAM INCLVTA ROMA CONDITA EST.


(1) Eram os Lares deuses domiciliares, zelosos pelo ambiente doméstico; cada família, casa, indivíduo, tinha o seu ou muitos. O costume perdurou pela Idade Média e chegou até nós nas estátuazinhas de santos que adornam os lares das famílias cristãs. O imperador é Adriano.
(2) Os romanos usavam o substantivo avis também para agouro, por inserir grande importância à observação destes seres, em especial à águia, Júpiter animalesco e elo entre o mundo terreno e os céus, cf. alba avis em Tito Lívio. Herodes não está de todo certo.

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A tradução hoje foi tripartite: contou com três excertos, agora pormenorizados em conjunto.
O epigrama 58 do livro quinto dos Epigrammata de Marco Valério Marcial (ca. 38-ca. 102) foi vertido a partir da impressão da Oxoniensis, ed. W. M. Lindsay (Londres, 2007). O estudante de latim encontrará traduções confiáveis via Belle Lettres (H. J. Izaak em 3 vols., 1970) e na Loeb Classical Library (D. R. Shackleton Bailey em 3 vols., 1993); ao diletante, recomendamos a curiosa antologia Epigrams by Martial englished by divers hands (Univ. of California, 1987), hoje esgotada, com E. Pound, A. Pope, John Dryden, e outros vates cujo nome fez a fortuna; o livre de poche dos Épigrammes (Gallimard, 1992), no gálico de Jean Malaplate; e outro livreto em espanhol pela Alianza, o qual não consultei. Alguns epigramas foram traduzidos por João Ângelo Oliva Neto & outros na Poesia Lírica Latina (ed. Maria da Gloria Novak, Martins Fontes, última edição de 2003). Entretanto, aguardamos mais em português do boca do Orco aragonense, e logo teremos - há diversos pesquisadores traduzindo-o neste exato momento - e talvez num futuro próximo o texto integral dos Epigramas será final & dignamente submetido à lusa forja.

Do segundo, parte do oratório natalino For the time being ("Por enquanto"), do britânico W. H. Auden (1907-1973), publicado em 1942. Aos interessados na obra do poeta iorquino recomendamos os Collected Poems (ed. Edward Mendelsom, The Modern Library, 1976). Por aqui, Auden foi contemplado na série Poemas da Companhia das Letras, em trad. de José Paulo Paes e João Moura, Jr.; esgotada. De sua prosa temos alguns ensaios reunidos em dois livros específicos, The dyer's hand e Forewords and Afterwords (ambas publicações da Vintage, 1990), incisivos qual seus poemas. Foi característica de sua escrita a concisão, a argúcia que, sem rodeios ou inversões, calculava a posição das palavras e a construção da sintaxe em todas suas minuciosidades; dom raríssimo, somente se adquire após muito esforço e maturidade por parte dos escritores.
Por terceiro; os três parágrafos recontando o nascimento do Divus Augustus no De Vita Caesarum de Caio Tranquilo Suetônio (ca. 69/75-ca.130), biografista romano e secretário do imperador Adriano, foram vertidos a partir da ed. da Teubner, e cotejados com as traduções de Henri Ailloud & Paul Jal em 3 vols. para as Belles Lettres, no ainda pingue ano de 2003; e a de J. C. Rolfe em 2 vols. para a Loeb Classical Library, nos idos priscos de 1914. Há excelente tradução do poeta Robert Graves, The Twelve Caesars, ainda disponível via Penguin. Em português, temos publicações picotadas, e apenas uma versão integral, que já conta os anos de Príamo e Nestor.

O post de hoje desvenda ao gládio e ao joco os novos caminhos - itinera - que este blog tomará após meses inativo. Há diversos textos a serem revisados, publicados in the time being; entre os quais o Hino de Caedmon, um conto de Ambrose Bierce, um ou outro poema de Charles Bukowski, mais Moby Dick; no entanto, acredito que já me é possível traduzir algo do latim. Suetônio e Tácito são autores os quais pretendo verter na língua íbera; e, quam maximum credulus postero, quiçá Horácio e Ovídio.

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